Por Lincoln Paiva
Na semana do Dia Mundial sem Carro, a discussão sobre o melhor modelo de deslocamento individual nas metrópoles de todo o mundo é ampliada pelo estímulo dos governos na construção de carros menos poluentes e isenção de taxas para compra e venda de veículos novos. Afinal, estas ações só agravam ainda mais o problema do trânsito nas grandes cidades. Manchetes do Salão do Automóvel de Frankfurt, onde as vedetes são os carros verdes, elétricos e mais limpos, dividem espaço com estudos do Movimento Nossa São Paulo, que acaba de divulgar uma pesquisa (em parceria com o IBOPE) que mostra que 78% dos paulistanos deixariam de utilizar o carro se houvesse um bom sistema de transportes público.
A boa notícia, que mostra como a mobilidade começa a ser discutida em várias esferas da sociedade, aponta ainda que 40% das pessoas de diferentes regiões da cidade de São Paulo estariam dispostas a adotar meios alternativos de transportes para seus deslocamentos. Além disso, 42% perderam, em média, de 2 a 3 horas em seus deslocamentos e 68% acham que o dinheiro público deveria ser utilizado em obras de ampliação de metrô, trem e ônibus. Este cenário torna-se ainda mais positivo para novas ações que envolvam a questão da mobilidade quando se analisa que, segundo o PNAD, a desigualdade no Brasil vem caindo e que existem avanços em relação à renda e o emprego.
Nos anos 90, o iogurte virou símbolo do acesso dos mais pobres a itens de consumo até então inacessíveis. Em 2009, o carro zero km passa a fazer parte desta mesma categoria de consumidores. O problema é que, com mais pessoas migrando das classes D e E para a classe C, abriu-se um universo gigantesco de novos consumidores dispostos a comprar um veículo em dezenas de prestações, o que contribui para o crescimento do congestionamento e reforça ainda mais o dilema da mobilidade. Quanto melhor vai a economia, maior será a demanda de transportes, e maior será o crescimento dos problemas, tais como o aumento da poluição, a falta de infraestrutura, o déficit do sistema de saúde pública, a pressão sobre o transporte público, o aumento do custo de vida e a lentidão do trânsito.
Não podemos nos iludir com estes indicadores de crescimento. É preciso trabalhar a mobilidade sustentável agora, criar novos sistemas que gerenciam este contingente, oferecendo meios alternativos de transporte que não oneram as cidades. É errôneo pensar que mobilidade significa apenas construir mais linhas de metrô ou aumentar a frota de ônibus: este não é um problema exclusivo do setor de transportes. A mobilidade é um processo transversal, que começa com a extração do petróleo ou de qualquer outra matriz energética, e passa pelo processo produtivo dos automóveis e componentes de veículos, além de leis governamentais, infraestrutura, decisões políticas, leis de trânsito, empresas, população, economia, saúde pública, meio ambiente pelo gerenciamento da mobilidade, pelos modos de transporte público e privado e pelo motorista.
Não é possível criar boas políticas de mobilidade sem pensar em toda a cadeia direta e indireta, que afeta não só os deslocamentos como também a qualidade de vida das pessoas. É importante termos um diesel com menor taxa de enxofre, gasolina abaixo de 1g/km de CO2, carros elétricos, melhores transportes públicos, ciclovias, interconexões modais, restrições de veículos na cidade, restrições de caminhões, rodízio, pedágio urbano, plantar árvores e toda sorte de leis que diminuam os deslocamentos individuais. É aqui que encontramos o conceito de mobilidade sustentável, uma forma de deslocamento que diminui os impactos ambientais, sociais e econômico.
Lincoln Paiva, 40 anos, ambientalista, formado em Comunicação Social, sócio da Believe Sustainability, idealizador do projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável e membro da Cities-for-Mobility.
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